SANTOS & SILVAS
22 de Janeiro - 05 de Março de 2022
Centro Cultural dos Correios
Niterói - RJ


“A ancestralidade é o legado que o ancestral deixa para a posteridade, seja grupo familiar ou social”
Nei Lopes

“Na colonização europeia de territórios da África e das Américas, dentre as diversas formas de violência e dominação, o apagamento de memórias foi uma prática constantemente empregada. Os laços físicos e espirituais que conectavam os nativos e africanos com suas matrizes familiares foram desfeitos brutalmente no Brasil. Além das separações de famílias, clãs e etnias, a mudança do nome original atuava como estratégia de despersonalização do indivíduo, o inserindo como subordinado na sociedade colonial. Por meio do batismo ou “herança” de sobrenome dos seus senhores buscava-se deslocar essa gente de sua origem, negando as ancestralidades que residiam na memória de cada um. A diáspora africana e os encontros culturais entre nativos possibilitaram subverter, ao seu modo e dentro de suas possibilidades, imposições forçosas e violentas. A atuação nas brechas sociais através de sabedorias transgressoras, não ocidentais e não coloniais, possibilitou a instauração e a permanência de saberes e fazeres que remetem ao passado originário, que a colonialidade tentou e permanece tentando apagar.

Silva e Santos são os sobrenomes mais populares no Brasil, onde cerca de 87% da população brasileira possui sobrenomes de origem ibérica, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).”

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Tecidos (objeto-relíquia)

“Reminiscência: imagem lembrada do passado; o que se conserva na memória.”

A lembrança vaga ou incompleta. A lágrima é o olho que transborda de lembranças. É preciso lembrar, pois viver sem conhecer o passado, é andar no escuro. Os trabalhos desta série apresentam peças utilitárias e decorativas da casa como objeto de fala. O crochê e o bordado ao mesmo tempo que sugerem uma delicadeza também agregam uma certa dramaticidade.





Abre Caminho
Tecido, bordado e crochê
120x68cm
2021


Abre-se o caminho, fecha-se o corpo, faz-se a história, levanta-se o templo, quebra-se o quebranto. Assim se faz a ferramenta. Três pontos me guiaram nesse trabalho, sendo o primeiro a força e o simbolismo presente na foice roçadeira, que abre os caminhos no mato e na espiritualidade guia/abre os caminhos. O segundo foi a minha vontade de romper com a divisão muitas vezes equivocada entre artista e artesão. Por isso, a peça em tecido foi concebida por mim e foi produzida em seio familiar. O bordado em ponto cruz e os detalhes em crochê foram feitos por Maria Luiza Valentim, que faleceu em 2022 em virtude de um câncer e é avó da minha companheira. As letras e a figura da foice foram bordados por Cláudia Merçon Serra, minha sogra. Ambas são mulheres mais velhas, de duas gerações diferentes, unidas pela paixão pela arte têxtil.

O terceiro ponto foi trazer objetos do cotidiano do que eu chamo de "casas-templo". São peças utilitárias e decorativas da casa que se tornam um objeto de fala. O crochê e o bordado ao mesmo tempo que sugerem uma delicadeza também agregam uma certa dramaticidade que se reverbera no convívio familiar de muitas gerações de brasileiros, assim como na minha.

São intervenções de frases e figuras, comunicando uma relação com medo do apagamento de uma história/memória, a relação com o trabalho bruto (a lida com a terra) e a religiosidade.






Em exposição na individual“Santos e Silvas” no Espaço Cultural dos Correios- Niterói/RJ




Em exposição na coletiva “Nas Rugas do Tempo” na Casa da Escada Colorida - Rio de Janeiro/RJ





Alguém há de chorar quando eu morrer.
Tecido, bordado e crochê
139x44cm
2021










Velho camarada
Tecido, bordado e crochê
139x44cm
2021



Em exposição na individual“Santos e Silvas” no Espaço Cultural dos Correios- Niterói/RJ






CURA
Massa cimentícia tingida
com pigmento e cera de abelha
2022


A obra "cura" surge dois anos, dez meses e vinte e um dias após a realização de uma cirurgia de emergência para a retirada de um tumor na cabeça. Formada por oito esculturas, velas de cera e um tecido branco, "cura" representa a graça alcançada e relação dos objetos votivos com a fé, pois enquanto minha cabeça era remexida na maca do hospital, a mesma cabeça também se encontrava em uma entrega para oxalá, envolta pela gosma espessa de um caramujo, seu boi, que rodeado por velas, durante oito horas fez com que meu corpo se dividisse em dois, numa cirurgia tanto espiritual quanto física.







“Tempo 1 - A cabeça-corpo: Branco hospital, anestesia, breu total, cabelos ao chão, o bisturi, o sangue a fluir, broca, serra, revela-se o crânio, a mãe resistente, brilhante e de cor bege, que se rompe. Tempo 2 - cabeça-ori: branco-oxalá, pedra, rio, despertar, luz, folhas e ervas ao chão, o pai benevolente, o fogo, a cera a fluir, palmas, cantos, revela-se o casco, brilhante e de cor bege, a lesma, que se fecha. Cruzando os dois tempos, as horas. E ao contar das horas, a cura.”












Graças e Oferendas
Madeira e cera de abelha

Montada dentro de um cofre presente no final de uma das galerias da minha exposição “Santos e Silvas” que ocorreu entre janeiro e março de 2022 no Espaço Cultural dos Correios, em Niterói. Além dos ex-votos, a instalação apresentava também a obra “Sincretismo” uma xilogravura que representa uma entidade, um santo-guerreiro-caboclo-anjo-orixá, transformando assim o cofre em um local etéreo de devoção e agradecimento ao divino.

A mistura de crenças, forjadas como meio de sobrevivência gerou dor e sofrimento, mas também ajudou a construir o que se entende por nação que crê, mesmo que na diversidade de interpretações. Então, ao entrar no espaço, o espectador era instigado a resgatar suas próprias crenças religiosas, em total sintonia com o sincretismo religioso que representa a fé brasileira.





Formada por banquinhos de madeira e ex-votos de cera, garimpados em lojas de artigos religiosos e pintados a mão com tinta dourada. Cada ex-voto-oferenda representa uma graça alcançada: amor, família, casa e trabalho.













Notas sobre o trabalho
Xilogravura, tecido e crochê
Políptico
2022


O políptico é composto por xilogravuras impressas sobre paninhos de prato rendado. inspirado em cartazes vernaculares, faz parte da temática sobre o “Sertão Carioca” e traz uma relação entre o medo do apagamento dos sabes rurais pelos moradores desse território, onde as novas gerações não mais se interessamem aprender. Escolhi o paninho como mídia pois traz também uma relação entre a delicadeza do trabalho  manual em relação ao trabalho árduo com a terra e a lida com os animais. “O ser-tão-carioca” representa esse lugar distante do “ser” carioca difundido pela mídia, onde o foco principal é o estilo de vida dos moradores da zona sul do estado











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