O Sertão Carioca

O burro que virou moto, a cangalha que já não se faz mais. O trabalho duro e o afeto do sagrado interior de casas-templo. O ser-tão carioca.

Sertão Carioca foi inicialmente o nome dado à antiga zona rural da cidade do Rio de Janeiro por Magalhães Corrêa, autor do livro de mesmo nome publicado em 1936. O livro descreve e analisa e região da cidade do Rio de Janeiro com textos e desenhos a nanquim que revelam o lado rural da então capital brasileira. Atualmente o termo “Sertão carioca” remete a uma fronteira, a um limite territorial simbólico. O uso do termo pelos moradores contribui para o fortalecimento e manutenção de um patrimônio cultural coletivo que é constantemente ameaçado pela ampliação de um projeto urbano que negligencia a ruralidade, seus modos de vida, saberes e fazeres. Nesta região encontram-se o Parque Estadual da Pedra Branca (maior parque natural urbano da América Latina).

Certificado em 2014 como Quilombo pela Fundação Palmares, o Quilombo Cafundá Astrogilda foi formado por descendentes de africanos que trabalhavam na fazenda cafeeira Vargem Grande no século XIX. No século XXI, a comunidade estava ameaçada já que as cerca de 70 famílias que moravam no local eram consideradas invasoras do Parque Estadual da Pedra Branca, unidade de conservação instituída em 1974, posterior à presença das famílias no território. Durante quatro meses, realizei vivências na comunidade como parte da pesquisa do projeto Afluentes Culturais. A imersão teve o intuito de realizar coletas de memórias para transforma-las em xilogravuras e em uma publicação de contos e causos, a partir de diálogos e percorrendo espaços que ativaram histórias de outros tempos que refletem ainda nos dias atuais.





Xilogravuras

“Particularmente e propositalmente foquei o meu olhar nas pessoas daquele lugar, tentando retratá-las, principalmente, a partir de suas histórias e vivências particulares, desenvolvendo assim retratos lúdicos inspirados em suas personalidades e de sua importância comunitária.

Entendi naquele momento essas pessoas como verdadeiras divindades dentro de suas vivências. Cada um conectado com uma simbologia particular: da lida com a terra, do orgulho de suas histórias (e do medo de serem apagadas pelo tempo), da religiosidade resgatada e do conhecimento compartilhado. A religiosidade, totalmente sincretizada, inspirou a forma como procurei retratá-los, muito inspirado por imagens de santos católicos, mas também totalmente misturada com as crenças e simbologias das religiões afro-brasileiras. Nesta série, o sagrado se mistura com o profano, assim como se dá a construção da religiosidade brasileira.”



























“Festa é a mudança de religião, Tudo que desce não sobe mais, não! (...) Isso tudo começou a desarticular Foi quando um tal de Bonitinho resolveu descer de lá. Aí formou a Casa da Bênção e se tornou pastor de lá”

Trecho do samba de autoria de Cristiano Mesquita,
Ronaldo Nunes e amigos do quilombo Cafundá Astrogilda








O Livro

Afluentes é uma série de publicações culturais de finalidade didática que dialoga e propõe uma fruição artística, tendo as artes visuais e o texto como veículo de disseminação de histórias de resistência cultural e territorial. Para isso o projeto se concentra, neste momento, no uso de plataforma digital no intuito de que este material possa ser usufruído por estudantes e professores de instituições de ensino dos mais variados segmentos, tendo livre acesso a registros que apresentam a memória e o patrimônio cultural contados a partir da historiografia oral e popular.

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